domingo, 1 de dezembro de 2013

Dia cinza

O Coração sangra,
e um riso desmaia na face
enquanto a última estrela da noite
se despede da solidão
e o vento sopra baixinho um dia sem luz.

Hoje não tem alegria na feira
nenhuma poesia dirá pra ser feliz
não estou disponível pra sorrir
nem tampouco pra chorar.

Nem mágoa nem trégua
sem graça nem desgraça
e alérgico às pequenas coisas
sigo indiferente às rosas
nem cultivo espinhos,
um jardim sem primavera..

A Felicidade sabe meu nome de batismo,
mas insiste em me chamar pela alcunha de poeta
as vezes respondo, outras finjo que não conheço
Cartola e Bilie Holiday sabem do que estou falando.

Estou circo sem palhaço
e suas mãos de trapézio despedem-se dos meus abraços.
Da cartola, um dia sem magia
se equilibra no horizonte
e os pardais ensaiam um blues da melancólica.

Nem garoa nem tempestade
nem preto nem branco
E o sol, indisposto, falta ao compromisso
enquanto uma manhã cinzenta cavalga no céu azul
e fotografias velhas saúdam lágrimas novas.

Meio dormindo
meio acordado
meu corpo é apenas o pijama da alma
um fantasma do passado.
Menino assustado com noites mal dormidas
ando pela rua descaminhando o cotidiano
enquanto lembranças mortas assombram o futuro.

Nem palavrão
nem palavrinha
não leio cartas nem bilhetes
o grito varre o silêncio
para debaixo do meu tapete
enquanto a poeira se impregna de sorrisos magros

Nem paz
nem guerra,
apenas um dia triste

(Sergio Vaz)

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Ciclo

Pela vida toda tem sido assim
A lucidez quieta de cada tarde
Avança indócil, passa por mim
O horizonte perfura e invade
.
E deste modo, espero resignada
O melancólico pretexto do ocaso
Quando a lua impelida, arrojada
Cultiva todo sentimento raso...
.
Aí vaga livre o pensamento
Isento de limite, adolescente
Afoito, aberto, inconsequente
.
Então meu coração vira aposento
De todas as lembranças, decorado
Adormecendo feliz e sazonado...

(Glória Salles)

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Olhar baldio

No remate deste horizonte, um enigma
E nesta visão tão desejada, leio emoções
Não é alucinação, a lembrança, o estigma
Ainda que tênue, esta luz expõem ilusões

De nada vale o olhar baldio do meu desdém
E a arrogante tradução interditada da voz
Os restos deste lamento trancado, agora vem
Nos ecos das palavras, ditas por nos

No balanço perspicaz das ondas, a resposta
Pensamento embriagado pela branda aragem
A harmonia acontece, pela natureza proposta
A placidez entre a tempestade e a estiagem

Um poema em tom afável o coração rabisca
Maquiando o sonho que meu olhar avista...

(Glória Salles)

Sem palavras

Trago um poema farto de incertezas
Ressoando farpado e monótono canto
Cujas letras, isentas de qualquer leveza
Soam atravessadas, sem o menor encanto

Trago idéias em frases curtas, resumidas
Seguimento vão, que coisa alguma traduz
Emoções sangram, esgarçadas, sentidas
Sob a casca tênue de um verso que não seduz

Frases derribadas nos barrancos do soneto
Reverberando os ais que da alma transborda
Esquecidas em meio a um e outro terceto
Entre tantas rimas, que a poesia não acorda

Talvez amanhã, as palavras que não escrevi
Revelem a verdade, daquelas que não proferi

(Glória Salles)

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Fluido

Daqui onde céu e mar se encontram
observo o que restou de nós
na garganta o grito que ainda não se cala
no peito aquele vazio que a tarde visita
saudade
No ar, o cheiro de tudo que é novo
os caminhos, os domingos, os sorrisos
no chão os mesmos pés orientando a pisada
bucolismo maloqueiro...
Aqui, onde me encontro agora
faço tempo pro dia não virar hora
no suor o mesmo sangue
na saliva a mesma fome
E o morro me olha,
e me vejo morro
no vento que em mim passeia
noticias de outrora
daqui onde tempestade me recria
deságuo corredeira
lagrima fria pro mar que não se finda em mim...
(André Pereira)

Ilusão

Em meu peito corre um rio
Rio que corre em direção ao mar
Mar que deságua em meus sonhos
Sonhos que miram o brilho da luz
Luz que clareia o escuro caminho
Caminho que adverte o destino
Destino que levo comigo
Comigo levo as flores que você plantou
Flores que colhi na primavera
Primavera que trago nas mãos
Mãos que afagam a terra
Terra que sustenta meu corpo
Corpo que dança no espaço
Espaço que limito no coração
Coração que brinca no infinito
Infinito que são seus braços
Braços que são correntes de carne
Carne que acorrenta o espírito
Espírito que é fuga da prisão
Prisão que são as margens do rio
Rio que corre em meu peito
Peito que se liberta da realidade
Que comprime a ilusão.

(Sérgio Vaz)

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Bagagem

E se tudo que trago na bagagem
Não servir de alimento e abrigo
Não possa ser consumido
Não calce o estômago de outro alguém...

E se tudo que trago no bolso
Não servir de pagamento e nem de troco
Não alcance o brilho do ouro
Não vista o corpo de ninguém...

E se tudo que trago no peito
Seja o brilho nos olhos e alguns defeitos
Um corpo fechado e um sorriso aberto...

E se tudo que trago em mim
Seja esse embaraço nos cabelos
Esses rabiscos na pele...

E se tudo que trago evapora na aurora
do novo veloz dia que vem...

(Elizandra Souza, retirado do livro "Águas da cabaça")

Se me quiseres conhecer

Se me quiseres conhecer,
estuda com olhos bem de ver
esse pedaço de pau preto
que um desconhecido irmão maconde
de mãos inspiradas
talhou e trabalhou
em terras distantes lá do Norte.

Ah, essa sou eu:
órbitas vazias no desespero de possuir vida,
boca rasgada em feridas de angústia,
mãos enormes, espalmadas,
erguendo-se em jeito de quem implora e ameaça,
corpo tatuado de feridas visíveis e invisíveis
pelos chicotes da escravatura...
Torturada e magnífica,
altiva e mística,
África da cabeça aos pés,
- ah, essa sou eu

Se quiseres compreender-me
vem debruçar-te sobre minha alma de África,
nos gemidos dos negros no cais
nos batuques frenéticos dos muchopes
na rebeldia dos machanganas
na estranha melancolia se evolando
duma canção nativa, noite dentro...

E nada mais perguntes,
se é que me queres conhecer...
Que não sou mais que um búzio de carne,
onde a revolta de África congelou
seu grito inchado de esperança.

(Carolina Noemia Abrandes de Sousa)

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Bem no fundo

No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto

a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo

extinto por lei todo o remorso,
maldito seja que olhas pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais

mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos
saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.

(Paulo Leminski)
Leite, leitura,
letras, literatura,
tudo o que passa,
tudo o que dura
tudo o que duramente passa
tudo o que passageiramente dura
tudo, tudo, tudo
não passa de caricatura
de você, minha amargura
de ver que viver não tem cura

(Paulo Leminski)

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Hiato

És na minha vida como um luminoso
Poema que se lê comovidamente
Entre sorrisos e lágrimas de gozo...

A cada imagem, outra alma, outro ente
Parece entrar em nós e manso enlaçar
A velha alma arruinada e doente...

__Um poema luminoso com o mar,
aberto em sorrisos de espuma, onde as velas
Fogem como garças longínquas no ar...

(Manuel Bandeira)

terça-feira, 16 de julho de 2013

Poeminha da saudade

Hoje não posso ir
A casa do meu amor.
Vou mandar um dos meus poemas,
aquele com asas de condor,
Voando visitá-la.

Um que tenha a boca grande
Com o céu estrelado,
Que na certa vai beijá-la.
Ou então que tenha as mãos macias,
Aquela que tece carinhos,
Para que possa acariciá-la.

Quem sabe
Um poema do meu corpo,
Demorado e louco
Daqueles que sempre fogem
Ao controle da alma.

Um dos meus poemas
Talhados pelo vento.
Desses que penteiam seus cabelos
E rodopiam sentimentos.

Um poema de calças-curtas
Estes bem moleques
E traquinas
Que andam lépidos pela rua
Roubando beijos das meninas.

Um poeminha qualquer
Pequenininho, mas com sinceridade
Destes mimados,
Que dormem no colo
E choram quando sentem Saudade.
(Sergio Vaz)

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Soneto oco

Neste papel levanta-se um soneto,
de lembranças antigas sustentado,
pássaro de museu, bicho empalhado,
madeira apodrecida de coreto.

De tempo e tempo e tempo alimentado,
sendo em fraco metal, agora é preto.
E talvez seja apenas um soneto
de si mesmo nascido e organizado.

Mas ninguém o verá? Ninguém. Nem eu,
pois não sei como foi arquitetado
e nem me lembro quando apareceu.

Lembranças são lembranças, mesmo pobres,
olha pois este jogo de exilado
e vê se entre as lembranças te descobres.

(Carlos Pena Filho)

terça-feira, 4 de junho de 2013

Chega através

Chega através do dia de névoa alguma coisa do esquecimento,
Vem brandamente com a tarde a oportunidade da perda.
Adormeço sem dormir, ao relento da vida.

É inútil dizer-me que as ações têm consequências.
É inútil eu saber que as ações usam consequências.
É inútil tudo, é inútil tudo, é inútil tudo.

Através do dia de névoa não chega coisa nenhuma.

Tinha agora vontade
De ir esperar ao comboio da Europa o viajante anunciado,
De ir ao cais ver entrar o navio e ter pena de tudo.

Não vem com a tarde oportunidade nenhuma.

(Álvaro de campos)

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Oração dos desesperados


Dói no povo a dor do universo
Chibata, faca e corte
Miséria, morte
Sob o olhar irônico
De um Deus inverso
Uma dor que tem cor
Escorre na pele e na boca se cala
Uma gente livre para o amor
Mas os pés fincados na senzala.
Dói na gente a dor que mata
Chaga que paralisa o mundo
E sob o olhar de um Deus de
gravata...
Doença, fome, esgoto, inferno
profundo.
Dor que humilha, alimenta cegueira
Trevas, violência, tiro no escuro
Pedaço de pau, lar sem muro
Paraíso do mal
Castelo de madeira
Oh! Senhores
Deuses das máquinas,
Das teclas, das perdidas almas
Do destino e do coração!
Escuta o homem que nasce das
Lágrimas
Da dor, do sangue e do pranto,
Escuta esse pranto
(Que lindo esse povo)
(Quilombo esse povo)
Que vem a galope com voz de
trovão
Pois ele se apega nas armas
Quando se cansa das páginas
Do livro de oração!
(Sérgio Vaz)

domingo, 12 de maio de 2013

Dançando negro

Quando eu danço
atabaques excitados,
o meu corpo se esvaindo
com desejos de espaço,
a minha pele negra
dominando o cosmo,
envolvendo o infinito, o som
criando outros êxtases...
Não sou festa para os teus olhos
de branco diante de um show!
Quando eu danço há infusão dos elementos
sou razão.
O meu corpo não é objeto
Sou revolução,

(Êle Semong)

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Amor invasor

Há muito, não são raros os momentos
Perco-me na vastidão de mim, solitária
E quando este vácuo, do nada se instala
Arrasta-me inerte, perdida, sem alento

Então por tantos desejos vagueio louca
E pela voz rouca deixo-me seduzir
Lança insano convite, um amor alienado
Num chamado de entrega nua e tosca

Deixo-me ir à força de um vento qualquer
A mulher que há em mim intui a suavidade
A eternidade da entrega é musica ao ouvido
E o fascínio selvagem, é tudo o que se quer

É certo que é passageiro este momento pleno
Mas o íntimo necessita deste letal veneno

(Glória Salles)

terça-feira, 23 de abril de 2013

Contemplo o lago mudo

Contemplo o lago mudo
Que uma brisa estremece.
Não sei se penso em tudo
Ou se tudo me esquece.

O lago nada me diz.
Não sinto a brisa mexê-lo.
Não sei se sou feliz
Nem se desejo sê-lo.

Trémulos vincos risonhos
Na água adormecida.
Por que fiz eu dos sonhos
A minha única vida?

(Fernando Pessoa)

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Poesia do Silêncio

A vida anda tão corrida e acabei deixando esse blog de lado... Mas voltei e vou postar poesias de alguns escritores que andei descobrindo por aí.
Para começar aqui vai uma poesia da Elizandra Souza, uma grande poeta! Vale muito a pena conhecer o trabalho dela: http://mjiba.blogspot.com.br/ Já coloquei outras poesias dela em posts anteriores, mas dessa vez escolhi essa bela poesia:

Eu tenho muita coisa a dizer
mas eu sinto medo
A palavra não dita...
é um sonho sem casa rastejando
nas esquinas da solidão...

É uma poesia escrita
nas poeiras das estradas
... que o vento arteiro apaga...
...nos traços...
laços do tempo em descompasso...
esventro-me no silêncio gritante
desta pária sociedade voando vazia
num mundo em desmundo...

Desabito os esconderijos...
dos segredos das folhas,
das verdades rabiscadas
nas pétalas dos girassóis...
...sol...
meu amigo mais constante...
que ávido de tesão testemunha meus segredos
e tênue, acaricia meus africanizados espíritos...
nesses instantes já nem sei quem sou...

(Poesia do Silêncio -  Elizandra Souza. Sininho Paco. Moçambique  2012)


domingo, 3 de março de 2013

Estrelas que não apagam

Essa noite te quero
Como quem degusta maçã
A luz pode ficar acesa
Para que veja e sinta,
Essa minha pele reluzir

Essa noite te quero
Como quem compõe poemas
Acariciando os versos,
Costurando metáforas e melodias
Encaixe de nossas simetrias

Essa noite te quero
Como quem namora a brisa
Feche os olhos e sinta
O vento rodopiando na sua orelha
Arrepios em todos os seus labirintos

Essa noite te quero
Eternizar a incerteza do amanhã
Na rotatória dos nossos corpos
Bailando e buscando
Estrelas que não apagam.

(Elizandra Souza retirado do livro Águas da cabaça, 2012. Ela também posta aqui: http://mjiba.blogspot.com.br/)

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Prelúdio

(para Lídia, minha velha ama negra)

Pela estrada desce a noite
Mãe-Negra desce com ela.

Nem buganvílias vermelhas,
nem vestidinhos de folhos,
nem brincadeiras de guizos
nas suas mãos apertadas...

Só duas lágrimas grossas,
em duas faces cansadas.

Mãe-Negra tem voz de vento,
voz de silêncio batendo
nas folhas do cajueiro...
tem voz de noite descendo
de mansinho pela estrada.

... Que é feito desses meninos
que gostava de embalar?
Que é feito desses meninos
que ela ajudou a criar?
Quem ouve agora as histórias
que costumava contar?...

Mãe-Negra não sabe nada.
Mas ai de quem sabe tudo,
como eu sei tudo,
Mãe-Negra...

É que os meninos cresceram,
e esqueceram
as histórias
que costumavas contar...
Muitos partiram pra longe,
quem sabe se hão de voltar!...

Só tu ficaste esperando,
mãos cruzadas no regaços,
bem quieta, bem calada...

É tua a voz deste vento,
desta saudade descendo
de mansinho pela estrada...

(Alda Lara)

Atitude

Minha esperança perdeu seu nome...
Fechei meu sonho, para chamá-la.
A tristeza transfigurou-me
como o luar que entra numa sala.

O último passo do destino
parará sem forma funesta,
e a noite oscilará como um dourado sino
derramando flores de festa.

Meus olhos estarão sobre espelhos, pensando
nos caminhos que existem dentro das coisas transparentes.

E um campo de estrelas irá brotando
atrás das lembranças ardentes


(Cecilia Meireles)

A voz

Da tua voz
o corpo
o tempo já vencido

os dedos que me
vogam
nos cabelos

e os lábios que me
roçam pela boca
nesta mansa tontura
em nunca tê-los...

Meu amor
que quartos na memória
não ocupamos nós
se não partimos...

Mas porque assim te invento
e já te troco as horas
vou passando dos teus braços
que não sei
para o vácuo em que me deixas
se demoras
nesta mansa certeza que não vens.


(Maria Teresa Horta)

Galeria Lírica VII

Pétala
Que
Se abre-me
No espaço
Inútil-do-dia?
Mostra-me
O lastro
Ensina-se
-me a
Voltar
Faz-me
-se
Esquecer
O
Que
Ainda
Não
Somos

(Edner Morelli, do Livro Hiato)  

Galeria Lírica IV

No ritmo sóbrio
De suas certezas
Integro-me
Interno-me
Na carne
No espaço
Dança
Solidamente
Momentânea do gozo
Incitando o gosto lascivo
De suas virtudes
Que inauguram o
Movimento de
Seus lá
Bios
Da pele
Da unidade
Da enfermidade
Erótica
Do ritmo
Ainda que
Sóbrio
Sobro
Só?

(Edner Morelli, do livro Hiato)

Galeria Lírica II

O eu e o outro
O outro em mim?
O acaso de mim? A verdade bi
Lateral de nós?
A suposta dança da integração
Entre a ficção e o real do outro
Vidas supostas e
Definidas pelo avesso do real
A face da (inter) ficção
Agindo pelo contrário
Da concreta imagem
A ficção - vida fundindo-se-me
Nos anseios de mim? Do outro?
A vida
O eu
O outro
Nós
(Edner Morelli, retirado do livro Hiato)

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Aquilombados

É dos olhos que sai o mar efervescente dos aquilombados
É do mar que sai os olhos efervescentes dos aquilombados
Nossas vozes, nossos tons são peles aparceiradas
É necessário profundidade pra imantar da terra verdades
Somos língua viva botando fogo no sereno
Na feira, no ônibus, na roda tem
Na fila, no trânsito, elevador também
Com suavidade, com feminilidade, com tudo que houver
necessidade
Observo enquanto errando acerto
Na São Paulo camaleão feminina, da norte mesmo ao sul
extremo
Salves! A quem deve ser saudado
Minha terra tem fagulhas que me fazem enxergar que amor
é inteligência
É preciso exercitar.
(Maria Tereza do livro "Negrices em flor")

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Identidade(s)

Sou dois mundos.
Isso já foi acordado.
Uma eu sou leve, alegre, amiga, disposta...
Agora a minha outra eu,
aquela que raras pessoas conhecem,
aquela que várias vezes elouquece
e desabafa nos textos verdades inquestionáveis,
vontades embaraçosas, segredos só seus;
essa já não é tão feliz.
Não, ela não é feliz.
Não na maneira convencional estabelecida.
Não no senso comum.
Ela é qualquer outra coisa menos sorriso,
menos fachada, menos ombro amigo.
Essa é sozinha, mas às vezes ela sorri, sim.
Sorri quando coloca pra fora aquelas bobagens
que todos devem pensar,
mas não chegam a verbalizar.
Surtar.
A minha eu desenquadrada se dá ao luxo de surtar.
Não se acanha com possíveis pensamentos
e nem pensa em servir de exemplo pra ninguém.
Que se dane ninguém!
Ela é livre, assim como a minha eu
tão feliz gostaria de ser.
A liberdade inexistente sem a limitação necessária
pra viver em sociedade.
Às vezes, como hoje, por exemplo,
bate uma tristeza tão grande,
uma vontade tão desesperada de chorar
e gritar e uivar as minhas penas...
Mas não dá. Não posso assustar os que me rodeiam.
Não tem ninguém aqui que possa me consolar
sem me cobrar a alegria que tanto parece comigo.
Existem só essas brigas de eus,
onde não importa quem ganhe,
eu sempre perco.

( Mel Adún - Cadernos Negros 31)

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

A Esperança e a Felicidade

Sinto a vida pulsar novamente
Assim, como um súbito milagre
Recobro o sentido ausente
E minha alma, enferma, reage

Caminho agora entre as ruínas
Esquinas de escombros e dores
Que o tempo, cruel, deixou
Parte do que sou
Jaz n’alguma rua
Descansa, sem paz ou esperança
Outra parte continua

Vejo perder-se ao relento
A fuligem que assopro
Da palma da minha mão
Dou as costas ao vento
E fecho a porta do templo
Onde habita a solidão

São duas flores frondosas
Brotando no mesmo jardim
Duas irmãs graciosas
Renascendo dentro de mim

A esperança é a suave brisa
Que beija a minha janela
A felicidade o leve orvalho
Que cai sobre o meu telhado
Uma, sincera me avisa
Para que eu não me perca mais dela
A outra, diz tardo, não falho
A quem me tem desejado.

(Serginho poeta)

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Labirintos

Entrei dentro do meu eu
em busca de boas lembranças
na esperança de encontrar
as entradas e saídas dos meus
labirintos...
Revisitar estradas conhecidas,
admirar paisagens errantes,
olhar-me no meu pequeno espelho,
refletir ou reagir aos meus ruídos,
abrir bem os ouvidos para
escutar os meus passos...
Cantar aquela canção que
acende todas as possíveis lutas.

(Elizandra Souza # Águas da cabaça # 2012)

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

2013

Há sempre um acreditar
maior, levando-nos
na teima a prosseguir

Firmados nas raízes fundadoras
prontas a tecer a ventania
feita de ideais e de porvir
de vontade, de sonho e poesia

Pois existe um voo e um lutar
uma batalha pronta a impedir
a violência, o medo, o proibir

Há sempre um acreditar
maior, levando-nos
na teima a resistir

Exigindo o direito a inventar
um outro futuro a construir
apesar do vender e do roubar

Pois existe uma constância
em desagravo, outros modos
de amar, outra maneira
a fazer da vida um canto aberto

E da liberdade uma bandeira

(Maria Teresa Horta,poetisa, escritora e jornalista portuguesa)

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

"Oh sim"

Há coisas piores do que
ficar sozinho
mas isso, frequentemente, leva décadas
para ser percebido
e, geralmente,
quando você percebe,
é tarde demais
e não há nada pior
do que
tarde demais.


(Charles Bukowisk)
Tradução: Aline Dias

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Fazer da areia, terra e água uma canção
Depois, moldar de vento a flauta
que há de espalhar esta canção
Por fim tecer de amor lábios e dedos
que a flauta animarão
E a flauta, sem nada mais que puro som
envolverá o sonho da canção
por todo o sempre, neste mundo


(Carlos Drummond de Andrade) 

Receita de ano novo

 Meio clichê começar o ano com uma poesia que fala sobre ano novo, mas esta é impossível não querer postá-la rs



    Para você ganhar belíssimo Ano Novo
    cor de arco-íris, ou da cor da sua paz,
    Ano Novo sem comparação como todo o tempo já vivido
    (mal vivido ou talvez sem sentido)
    para você ganhar um ano
    não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
    mas novo nas sementinhas do vir-a-ser,
    novo até no coração das coisas menos percebidas
    (a começar pelo seu interior)
    novo espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
    mas com ele se come, se passeia,
    se ama, se compreende, se trabalha,
    você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
    não precisa expedir nem receber mensagens
    (planta recebe mensagens?
    passa telegramas?).
    Não precisa fazer lista de boas intenções
    para arquivá-las na gaveta.
    Não precisa chorar de arrependido
    pelas besteiras consumadas
    nem parvamente acreditar
    que por decreto da esperança
    a partir de janeiro as coisas mudem
    e seja tudo claridade, recompensa,
    justiça entre os homens e as nações,
    liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
    direitos respeitados, começando
    pelo direito augusto de viver.
    Para ganhar um ano-novo
    que mereça este nome,
    você, meu caro, tem de merecê-lo,
    tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil,
    mas tente, experimente, consciente.
    É dentro de você que o Ano Novo
    cochila e espera desde sempre.

(Carlos Drummond de Andrade)