quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Talvez um voltasse, talvez o outro fosse.

Talvez um viajasse, talvez outro fugisse.

Talvez trocassem cartas, telefonemas noturnos,

dominicais, cristais e contas por sedex

(...)

talvez ficassem curados, ao mesmo tempo ou não.

Talvez algum partisse, outro ficasse.

Talvez um perdesse peso, o outro ficasse cego.

Talvez não se vissem nunca mais, com olhos daqui pelo menos,

talvez enlouquecessem de amor e mudassem um para a cidade do outro,

ou viajassem junto para Paris

(...)

talvez um se matasse, o outro negativasse.

Seqüestrados por um OVNI, mortos por bala perdida,

quem sabe.

Talvez tudo, talvez nada...

talvez....
(Caio Fernando Abreu)

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Amor proíbido

são aqueles versos guardados na garganta
a fome ante o prato vazio
a sinceridade da ilusão
o calafrio no estômago e o calor nos lábios
a loucura apaixonante
é afogar-se em cada suspiro
é saudade do que nunca existiu
é o desejo da carne
é imaginar como seria...
Amor proibido
é sorvete em banho-maria
é namorar a solidão
mergulhar em destilados
deitar em nuvens quando se vê o sorriso amado
é sentir a eternidade em cada minuto de silêncio
é ter vontade de arrancar o coração do peito à unhadas
é desejo de gritar, abraçar, chorar...
Amor proibido
é a dor gostosa de deixar doer
mas que quase mata
quando a razão nos proíbe de viver,
à dois...
(André Luiz Pereira - Universo em Translação)

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Olhar a lua


Ponho-me a olhar a lua

E fico a pensar

Se você também está olhando pra ela

Quem sabe nesse momento

Nossos olhares se miram

Para uma mesma direção

(Maria Helena)

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Meu coração anda carente

Meu coração anda carente
Não pode ver um sorriso, um olhar
Que se enche todo de esperança
E logo se põe a sonhar
Sonhos que um a um
Vão se perdendo sem ao menos
Tornarem-se reais...
(Maria Helena)

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Sem respostas

Avaliar porque falhou aquele instante
Fragmentar resquícios de memória
É como fugir sem endereço, meio errante
Buscar explicação, nos pedaços da historia

O sonho irrealizado, as palavras não ditas
Perderam-se nos labirintos do nosso universo
Inescrutáveis momentos, lembranças distintas
Deixadas ou perdidas nas frases de cada verso

Tentar entender o vazio esquecido em cada vão
É num corpo desprovido de alma, procurar calor
E nesta casta ambigüidade, reformular a dor

Muito menos doloroso seria não buscar razão
Ou esquecer num canto, os detalhes de nós
Sigo sem respostas, vendo o brilho da lua, a sós...
(Glória Salles)

sábado, 8 de agosto de 2009

As quadras dele (II)

Digo pra mim quando ouço
O teu lindo riso franco,
“São seus lábios espalhando,
As folhas dum lírio branco…”

Perguntei às violetas
Se não tinham coração,
Se o tinham, porque ’scondidas
Na folhagem sempre estão?!

Responderam-me a chorar,
Com voz de quem muito amou:
Sabeis que dor os desfez,
Ou que traição os gelou?

Meu coração, inundado
Pela luz do teu olhar,
Dorme quieto como um lírio,
Banhado pelo luar.

Quando o ouvido vier
Teu amor amortalhar,
Quero a minha triste vida,
Na mesma cova, enterrar.

Eu sei que me tens amor,
Bem o leio no teu olhar,
O amor quando é sentido
Não se pode disfarçar.

Os olhos são indiscretos;
Revelam tudo que sentem,
Podem mentir os teus lábios,
Os olhos, esses, não mentem.

Bendita seja a desgraça,
Bendita a fatalidade,
Bendito sejam teus olhos
Onde anda a minha saudade.

Não há amor neste mundo
Como o que eu sinto por ti,
Que me ofertou a desgraça
No momento em que te vi.

O teu grande amor por mim,
Durou, no teu coração,
O espaço duma manhã,
Como a rosa da canção.

Quando falas, dizem todos:
Tem uma voz que é um encanto
Só falando, faz perder
Todo juízo a um santo.

Enquanto eu longe de ti
Ando, perdida de zelos,
Afogam-se outros olhares
Nas ondas dos teus cabelos.

Dizem-me que te não queira
Que tens, nos olhos, traição.
Ai, ensinem-me a maneira
De dar leis ao coração!

Tanto ódio e tanto amor
Na minha alma contenho;
Mas o ódio ainda é maior
Que o doido amor que te tenho.

Odeio teu doce sorriso,
Odeio teu lindo olhar,
E ainda mais a minh’alma
Por tanto e tanto te amar!

Quando o teu olhar infindo
Pousa no meu, quase a medo,
Temo que alguém advinhe
O nosso casto segredo.

Logo minh’alma descansa;
Por saber que nunca alguém
Pode imaginar o fogo
Que o teu frio olhar contém.

Quem na vida tem amores
Não pode viver contente,
É sempre triste o olhar
Daquele que muito sente.

Adivinhar o mistério
Da tua alma quem me dera!
Tens nos olhos o outono,
Nos lábios a primavera…

Enquanto teus lábios cantam
Canções feitas de luar,
Soluça cheio de mágua
O teu misterioso olhar…

Com tanta contradição,
O que é que a tua alma sente?
És alegre como a aurora,
E triste como um poente…

Desabafa no meu peito
Essa amargura tão louca,
Que é tortura nos teus olhos
E riso na tua boca!

Os teus dente pequeninos
Na tua boca mimosa,
São pedacitos de neve
Dentro de um cálix de rosa.

O lindo azul do céu
E a amargura infinita
Casaram. Deles nasceu
A tua boca bendita!

(Florbela Espanca)

domingo, 2 de agosto de 2009

Lados opostos

A soleira da janela é arrimo ao corpo cansado
Neblina no peito, condensada dor, e letargia
A beleza estonteante do horizonte alaranjado
Era só a evidência de mais uma noite de vigília

E num tempo que tem pressa, a noite se alonga
Trazendo na quietude a sensação de abandono
Do outro lado do vidro, quem a vida prolonga
Sorri, diz que desse lado, um anjo vela seu sono

Anjo... que queria o poder de minar toda dor
Cuja fé vacilante, hoje o faz impotente e vão
Camufla num sorriso o frio alojado no coração

Porque nem todo dia, a alma é leve, e tudo é flor
Nem todo dia se consegue flutuar como pluma
Nem todo dia o sol faz dissipar a densa bruma...

(Gloria Salles)