quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Meu coração

Eu gosto muito desse poema do André!
Meu coração é assim também...


Meu coração é um cortiço
abriga a todos
branco, preto,
amarelo, vermelho

meu coração é um cortiço
cheio de bagunça
cheio de crenças
alegria, tristeza

meu coração não difere
é sempre acolhedor
bate em meu peito
tal brasileiro que sou

meu coração,
cortiço por vocação
guarda risadas e prantos
e mesmo cheio sempre
abre espaço pra mais um

meu coração, de criança ou ancião
inveja os olhos quistos...
mas não foi feito para curtição
por isso, logo aviso
matenha distância,
se acaso não for bem vindo
(André Luiz Pereira)

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Horas

Sinto que hoje novamente embarco
Para as grandes aventuras,
Passam no ar palavras obscuras
E o meu desejo canta --- por isso marco
Nos meus sentidos a imagem desta hora.

Sonoro e profundo
Aquele mundo
Que eu sonhara e perdera
Espera
O peso dos meus gestos.

E dormem mil gestos nos meus dedos.

Desligadas dos círculos funestos
Das mentiras alheias,
Finalmente solitárias,
As minhas mãos estão cheias
De expectativa e de segredos
Como os negros arvoredos
Que baloiçam na noite murmurando.

Ao longe por mim oiço chamando
A voz das coisas que eu sei amar.

E de novo caminho para o mar.

(Sophia de Mello Breyner Andresen)

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

A falta que ama

Entre areia, sol e grama
o que se esquiva se dá,
enquanto a falta que ama
procura alguém que não há.

Está coberto de terra,
forrado de esquecimento.
Onde a vista mais se aferra,
a dália é toda cimento.

A transparência da hora
corrói ângulos obscuros:
cantiga que não implora
nem ri, patinando muros.

Já nem se escuta a poeira
que o gesto espalha no chão.
A vida conta-se inteira,
em letras de conclusão.

Por que é que revoa à toa
o pensamento, na luz?
E por que nunca se escoa
o tempo, chaga sem pus?

O inseto petrificado
na concha ardente do dia
une o tédio do passado
a uma futura energia.

No solo vira semente?
Vai tudo recomeçar?
É falta ou ele que sente
o sonho do verbo amar?

(Carlos Drummond de Andrade)

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Epigrama nº8

Encostei-me a ti,
sabendo que eras somente onda.
Sabendo bem que eras nuvem,
depus minha vida em ti.
Como sabia bem tudo isso, e dei-me
ao teu destino frágil,
Fiquei sem poder chorar quando cai.
(Cecilia Meireles)

domingo, 12 de dezembro de 2010

Tem dias

Tem dias em que me perco em meus enigmas.
Quando consigo contrafazer imensa lacuna
Aturdida vou rabiscando versos sem rimas
Sentimentos peregrinam em densa bruma

Para o oculto do que sinto, sou rota medida.
Sou esfinge nebulosa, sem definição precisa.
Nem as estrelas conseguem indicar a saída
Desse labirinto de interrogações concisas

As certezas pousam ao relento na madrugada
Na oponente palidez dos meus subterfúgios
Exausta de me esquivar nos atalhos da estrada
Esquadrinho atalhos nos atemporais refúgios

À procura de mim saio num nômade mergulho
Não me vejo, mas em sedenta busca, me procuro.
(Glória Salles)

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Interrogação

Neste tormento inútil, neste empenho
De tornar em silêncio o que em mim canta,
Sobem-me roucos brados à garganta
Num clamor de loucura que contenho.

Ó alma da charneca sacrossanta,
Irmã da alma rútila que eu tenho,
Dize para onde eu vou, donde é que venho
Nesta dor que me exalta e me alevanta!

Visões de mundos novos, de infinitos,
Cadências de soluços e de gritos,
Fogueira a esbrasear que me consome!

Dize que mão é esta que me arrasta?
Nódoa de sangue que palpita e alastra…
Dize de que é que eu tenho sede e fome?!
(Florbela Espanca)

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

As horas

Inútil querer-me devagar, o tempo não espera.
Alheios a minha vontade, os ponteiros avançam.
E nessa corrida louca, sinto-me peregrina.
Incapaz, diante dos minutos que se escoam.

Quase surto, diante de tamanha indiferença.
E o relógio, num movimento cíclico e caótico.
Constantemente mostra - me atrasada
E que nada estanca o universo pragmático.

Implacável, o ponteiro não atende meu pedido.
E fugazes, os momentos extinguem, evaporam.
E mesmo que tente dominá-los não consigo.

O relógio ignora a saudade latente, o pedido.
De conversa sem pressa, de caminhar sem destino.
De segurar a vida, e resgatar sonhos perdidos.
(Glória Sales)

domingo, 5 de dezembro de 2010

Intrínseco poema

Eu escrevo minhas angústias
relato passo-a-passo meus desejos
De estudos do universo
à translações poéticas
Tornei infinita minha vivenda.

Com os pés na realidade
tateio o ar à procura dos meus sonhos
lanço ao vento palavras e pensamentos
Me procuro, me acho, me despeço de mim.

Sou corredeira
não me acostumo com mesmíces
Pra alguns sou passado
pra outros esperança.

Carrego o fardo das tristezas que causei
e as lembranças dos sorrisos que ganhei
Imprevisível
Não tento prever mais nada do mundo, nem da vida, nem das pessoas
Das batalhas trago minhas cicatrizes e nenhuma medalha

Já fui amado e já fui amante
Hoje sou o que a vida me tornou
Ora poeta ora escritor
ora ator ora espectador.

Quis mudar de vida
quis mudar o mundo
quis mudar as pessoas
Agora quero apenas seguir meu caminho
e ter a honra de olhar pra traz
pra ver a felicidade daqueles a quem deixei meu sorriso.

E quem sabe assim ser bobo
ser guerreiro, ser plebe
ser músico, mágico e bruxo
de um reino que dispensa coroas
Meu próprio reino, um reino em mim!
(André Luiz Pereira)

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Todos os dias

Todos os dias agora acordo com alegria e pena.
Antigamente acordava sem sensação nenhuma; acordava.
Tenho alegria e pena porque perco o que sonho
E posso estar na realidade onde está o que sonho.
Não sei o que hei de fazer das minhas sensações.
Não sei o que hei de ser comigo sozinho.
Quero que ela me diga qualquer cousa para eu acordar de novo.
(Alberto Caeiro)

Meu sonho

Parei as águas do meu sonho
para teu rosto se mirar.
Mas só a sombra dos meus olhos
ficou por cima, a procurar...
Os pássaros da madrugada
não têm coragem de cantar,
vendo o meu sonho interminável
e a esperança do meu olhar.
Procurei-te em vão pela terra,
perto do céu, por sobre o mar.
Se não chegas nem pelo sonho,
por que insisto em te imaginar?
Quando vierem fechar meus olhos,
talvez não se deixem fechar.
Talvez pensem que o tempo volta,
e que vens, se o tempo voltar.
(Cecília Meireles)

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Murmúrio

Traze-me um pouco das sombras serenas
que as nuvens transportam por cima do dia!
Um pouco de sombra, apenas,
- vê que nem te peço alegria.

Traze-me um pouco da alvura dos luares
que a noite sustenta no teu coração!
A alvura, apenas, dos ares:
- vê que nem te peço ilusão.

Traze-me um pouco da tua lembrança,
aroma perdido, saudade da flor!
- Vê que nem te digo - esperança!
- Vê que nem sequer sonho - amor!
(Cecília Meireles)

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

O Amor É Uma Companhia

O amor é uma companhia.
Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visivel faz-me andar mais depressa
E ve menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.
Mesmo a ausência dela é uma cousa que está comigo.
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.

Se a nao vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas,
Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.
Todo eu sou qualquer força que me abandona.
Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no méio.
(Alberto Caeiro)

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Meu coração tardou

Meu coração tardou. Meu coração
Talvez se houvesse amor nunca tardasse;
Mas, visto que, se o houve, houve em vão,
Tanto faz que o amor houvesse ou não.
Tardou. Antes, de inútil, acabasse.

Meu coração postiço e contrafeito
Finge-se meu. Se o amor o houvesse tido,
Talvez, num rasgo natural de eleito,
Seu próprio ser do nada houvesse feito,
E a sua própria essência conseguido.

Mas não. Nunca nem eu nem coração
Fomos mais que um vestígio de passagem
Entre um anseio vão e um sonho vão.
Parceiros em prestidigitação,
Caímos ambos pelo alçapão.
Foi esta a nossa vida e a nossa viagem.
(Fernando Pessoa)

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Dor

Vaga, no azul amplo solta,
Vai uma nuvem errando.
O meu passado não volta.
Não é o que estou chorando.

O que choro é diferente.
Entra mais na alma da alma.
Mas como, no céu sem gente,
A nuvem flutua calma.

E isto lembra uma tristeza
E a lembrança é que entristece,
Dou à saudade a riqueza
De emoção que a hora tece.

Mas, em verdade, o que chora
Na minha amarga ansiedade
Mais alto que a nuvem mora,
Está para além da saudade.

Não sei o que é nem consinto
À alma que o saiba bem.
Visto da dor com que minto
Dor que a minha alma tem.
(Fernando Pessoa)

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

O que me dói

O que me dói não é
o que há no coração
mas essas coisas lindas
que nunca existirão...

São as formas sem forma
Que passam sem que a dor
as possa conhecer
ou as sonhar o amor.

São como se a tristeza
Fosse árvore e,uma a uma,
Caíssem suas folhas
Entre o vestígio e a bruma.
(Fernando Pessoa)

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Cavador do Infinito

Com a lâmpada do Sonho desce aflito
E sobe aos mundos mais imponderáveis,
Vai abafando as queixas implacáveis,
Da alma o profundo e soluçado grito.

Ânsias, Desejos, tudo a fogo escrito
Sente, em redor, nos astros inefáveis.
Cava nas fundas eras insondáveis
O cavador do trágico Infinito.

E quanto mais pelo Infinito cava
Mais o Infinito se transforma em lava
E o cavador se perde nas distâncias...

Alto levanta a lâmpada do Sonho
E com seu vulto pálido e tristonho
Cava os abismos das eternas ânsias!
(Cruz e Sousa)

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

noções

Entre mim e mim, há vastidões bastantes
para a navegação dos meus desejos afligidos.

Descem pela água minhas naves revestidas de espelhos.
Cada lâmina arrisca um olhar, e investiga o elemento que
a atinge.

Mas, nesta aventura do sonho exposto à correnteza,
só recolho o gosto infinito das respostas que não se
encontram.

Virei-me sobre a minha própria existência, e contemplei-a
Minha virtude era esta errância por mares contraditórios,
e este abandono para além da felicidade e da beleza.

Ó meu Deus, isto é a minha alma:
qualquer coisa que flutua sobre este corpo efêmero e
precário,
como o vento largo do oceano sobre a areia passiva e
inúmera...
(Cecília Meireles)

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Canção

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...

Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.
(Cecília Meireles)

sábado, 25 de setembro de 2010

Discurso

E aqui estou, cantando.

Um poeta é sempre irmão do vento e da água:
deixa seu ritmo por onde passa.

Venho de longe e vou para longe:
mas procurei pelo chão os sinais do meu caminho
e não vi nada, porque as ervas cresceram e as serpentes
andaram.

Também procurei no céu a indicação de uma trajetória,
mas houve sempre muitas nuvens.
E suicidaram-se os operários de Babel.

Pois aqui estou, cantando.

Se eu nem sei onde estou,
como posso esperar que algum ouvido me escute?

Ah! Se eu nem sei quem sou,
como posso esperar que venha alguém gostar de mim?
(Cecília Meireles)

domingo, 19 de setembro de 2010

Saber viver

Não sei… Se a vida é curta
Ou longa demais pra nós,
Mas sei que nada do que vivemos
Tem sentido, se não tocamos o coração das pessoas.

Muitas vezes basta ser:
Colo que acolhe,
Braço que envolve,
Palavra que conforta,
Silêncio que respeita,
Alegria que contagia,
Lágrima que corre,
Olhar que acaricia,
Desejo que sacia,
Amor que promove.

E isso não é coisa de outro mundo,
É o que dá sentido à vida.
É o que faz com que ela
Não seja nem curta,
Nem longa demais,
Mas que seja intensa,
Verdadeira, pura… Enquanto durar
(Cora Coralina)

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Ao longe, ao luar

Ao longe, ao luar,
No rio uma vela,
Serena a passar,
Que é que me revela ?

Não sei, mas meu ser
Tornou-se-me estranho,
E eu sonho sem ver
Os sonhos que tenho.

Que angústia me enlaça ?
Que amor não se explica ?
É a vela que passa
Na noite que fica.
(Fernando Pessoa)

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Poema das Marias

Maria é um nome universal
Onde está a vida
Maria está...

Maria é o nome de três estrelas
que andam unidas
falando aos poetas
de coisas bonitas do céu...

Maria é o nome
que deram à raiz
da lenda cristã...

Maria é o nome
das mulheres dos campos
das mulheres das praias
das mulheres dos rios
que trabalham em lavoura
que esperam o pescador
que são lavadeiras...

Há Maria branca
há Maria preta
há Maria amarela
há Maria vermelha...

há Maria santa
há Maria pecadora
há Maria achada...
há Maria perdida
há Maria louca
há Maria de juízo
há Maria covarde
há Maria valente
há Maria burra
há Maria inteligente
há Maria explorada
há Maria exploradora...

Por isso esse nome é bonito
simboliza mulher
simboliza luta
simboliza amor...

Eu gosto de Maria
seja do Carmo
Madalena Conceição
Glória Efigênia
Margarida Vitória
Lourdes Penha
Rosário, Anunciação...
Eu quero que seja Maria
Seja lá do que de que...

Como era feliz Lampeão
com sua Maria Bonita
e toda Maria é bonita
quando a gente
a ama...
Era também Mãe Maria
O Amor de Pai João...

Seja gorda seja magra
seja feia ou seja bela
Maria é sempre Maria
seja impura ou seja casta
Maria é sempre Maria
porque Maria é gente
mas também é poesia...
(Solano Trindade)

terça-feira, 27 de julho de 2010

Valer à pena

Todos os dias as 6 horas eu vejo os carros
faróis fechados tudo tão lotado
tudo é tão cinza, e essa gente tão ranzinza
não quero isso mais eu quero o mundo em paz

Tem que fazer valer a pena
tem que viver a vida interia
tem que fazer sorrir
tem que fazer chorar
tem que saber amar
tem que fazer valer a pena

E veja só, é mais um corpo em meio a massa
é tanta gente que em silêncio passa
sem nada sentir sem nada saber quando vai morrer
e é tudo tão banal tudo é tão desigual

Tem que fazer valer a pena
tem que viver a vida interia
tem que fazer sorrir
tem que fazer chorar
tem que saber amar
tem que fazer valer a pena

E chega a noite o dia acaba de morrer
estou aqui pensando como mudar
mudar os dias fazer as noites menos frias
eu penso que é mais tem que correr atrás

Tem que fazer valer a pena
tem que viver a vida interia
tem que fazer sorrir
tem que fazer chorar
tem que saber amar
tem que fazer valer a pena
(Humanotons - www.humanotons.com.br)

domingo, 4 de julho de 2010

Nos salões do sonho

Mas vocês não repararam, não?!
Nos salões do sonho nunca há espelhos...
Por quê?
Será porque somos tão nós mesmos
Que dispensamos o vão testemunho dos reflexos?
Ou, então
- e aqui começa um arrepio -
Seremos acaso tão outros?
Tão outros mesmos que não suportaríamos a visão daquilo,
Daquela coisa que nos estivesse olhando fixamente do outro lado,
Se espelhos houvesse!
Ninguém pode saber... Só o diria
Mas nada diz,
Por motivos que só ele conhece,
O misterioso Cenarista dos Sonhos!

(Mario Quintana)

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Rimas incertas

Preciso de um pensador
que me ajude a entender de dor
de sonho ,esperança e vida.

Preciso de um pensador
que me ajude a encontrar
uma perdida ilusão
já dormente e esquecida.

No fundo da mente onde nada sinto
apenas choro,e oro
ora no passado,ora no futuro,
presente se esvaindo
virtualmente distorcido
fingido...

Preciso de um pensador
que me ajude a desvendar o mistério
da mente e do coração em duelo
da antítese do que sou e do que quero
do meu ridículo poema sincero.

Preciso de um pensador:
que clareie,à luz da simplicidade
tudo que já sei mas não tenho coragem
que tansforme as rimas tolas em versos
que corra os riscos por mim
que nunca atire a primeira pedra
que resolva e não explique
que ame e não me critique

Um bobo,palhaço,criança:

que saiba sorrir
que ouse partir
e navegar
que saiba esperar
que venha,enfim

Preciso de um pensador
preciso de um lider
preciso de mim...

(Edilene Santos ela posta aqui: http://girassolpoetico.blogspot.com/)

quinta-feira, 17 de junho de 2010

As três Marias

Eram três Marias...
Dessas que não se veem mais;
que o tempo deixou pra trás.
Uma sorria, outra sonhava, outra sofria...
Uma jurava que seria alguém,
outra vivia num mundo além,
outra chorava por não ter ninguém...

Três Marias simplesmente...
A Maria que vivia contente,
a Maria que andava ausente,
a Maria de alegria aparente.

Uma dançava e acreditava;
outra levitava e imaginava;
outra suportava e se fechava.

Três Marias simplesmente.
Três destinos diferentes...
Uma amou e foi amada;
outra virou conto de fada;
outra se perdeu no breu da estrada.

As três se foram...
Silenciosas, sem escarcéu.
Talvez estejam unidas
num cantinho lá do céu...
A que sorria, a que sonhava, a que sofria.
Ou quem sabe são estrelas.
É só acreditar e vê-las...
As Três Marias...
(Carmen Lúcia)

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Inscrição na Areia

O meu amor não tem
importância nenhuma.
Não tem o peso nem
de uma rosa de espuma!

Desfolha-se por quem?
Para quem se perfuma?

O meu amor não tem
importância nenhuma.
(Cecília Meireles)

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Em busca do amor

O meu destino disse-me a chorar:
- Pela estrada da vida vai andando,
e, aos que vires passar, interrogando
acerca do Amor, que hás de encontrar.

Fui pela estrada a rir e cantar,
as contas do meu sonho desfiando...
e noite e dia, à chuva e ao luar,
fui sempre caminhando e perguntando...

Mesmo a um velho eu perguntei: -Velhinho,
viste o Amor em teu caminho?
e o velho estremeceu...olhou...e riu...

Agora pela estrada, já cansados,
Voltam todos pra trás desanimados...
E eu paro a murmurar: - Ninguém o viu!
(Florbela Espanca)

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Interrogação

Quando pararei de amar com intensidade?
Quando deixarei de me prender aos seres e coisas?

Quando me livrarei de mim?
Do que sou, do que quero, do que penso?

Quando deixarei de prantear?

No dia que eu deixar de ser eu
No dia em que eu perder a consciência
Do mundo que idealizei...
Neste dia...

Eu sorrirei sem saber do que sorrio
(Solano Trindade)

domingo, 16 de maio de 2010

É maria!
Onde está a tua graça?
Você sempre alegrando os outros
E quem te alegra Maria?
Quem?

Onde está a tua graça Maria?
Tanta preocupação, dedicação
Tantas lágrimas pelos outros
E você? Quem se preocupa?
Quem chora por ti Maria?
Quem?

Onde está a tua graça agora?
Onde?
(Maria Helena)

Insistência

Sou uma vertente do amor
Que insiste em sonhar cores inexistentes
Sou uma sombra que o acaso insiste em conduzir
Pela esquerda calçada da minha existência
E as imagens insistem resistem
E as imagens surpreendem ascendem
Insensatas ânsias latentes
(Edner Morelli, mestre em Literatura e Crítica Literária, poeta, professor universitário.
Blog: http://captacaodosegundo.blogspot.com/)

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Castelã de tristeza..

Altiva e couraçada de desdém
Vivo sozinha em meu castelo, a Dor…
Debruço-me às ameias ao sol-pôr
E ponho-me a cismar não sei em quem!

Castelã da Tristeza vês alguém?!…
- E o meu olhar é interrogador…
E rio e choro! É sempre o mesmo horror
E nunca, nunca vi passar ninguém!

- Castelã da Tristeza porque choras,
Lendo toda de branco um livro d’horas
À sombra rendilhada dos vitrais?…

Castelã da Tristeza, é bem verdade,
Que a tragédia infinita é a Saudade!
Que a tragédia infinita é Nunca Mais!!
(Florbela Espanca)

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Triste passeio

Vou pela estrada, sozinha.
Não me acompanha ninguém.
- Num atalho, em voz mansinha:
“Como está ele? Está bem?”

É a toutinegra curiosa;
Há em mim um doce enleio…
Nisto pergunta uma rosa:
“Então ele? Inda não veio?”

Sinto-me triste, doente…
E nem me deixam esquecê-lo!…
Nisto o sol impertinente:
“Sou um fio do seu cabelo…”

Ainda bem. É noitinha.
Enfim já posso pensar!
Ai, já me deixam sozinha!
De repente, oiço o luar:

“Que imensa mágoa me invade,
Que dor o meu peito sente!
Tenho uma enorme saudade!
De ver o teu doce ausente!”

Volto a casa. Que tristeza!
Inda é maior minha dor…
Vem depressa. A natureza
Só fala de ti, amor!
(Florbela Espanca)

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Retrovisor

A cidade se devora em cada carro
parado, em cada sinal fechado, em cada
pedaço de vida mal resolvida. As buzinas
teimam em protestar como se a quebra do
silêncio pudesse trazer de volta as
escolhas que eu nunca fiz. O que passou
é passado, vejo pelo retrovisor. Não há
mais tempo para seguir por outra avenida.
Jamais saberei quem eu seria numa outra via
de acesso. Se eu tivesse tomado um atalho,
uma rua estreita qualquer, que tipo de pessoa
eu teria me tornado? Não sei. Mas gostaria
muito de saber. Pelo retrovisor, vejo todas
as pessoas que eu poderia ter sido e não fui.
Vejo todas as ruas por onde nunca me atrevi
a passar. Pelo retrovisor, vejo tudo o que
eu escolhi não viver enquanto a cidade me
devora dia-a-dia.
(Maíra Viana - O Teatro Mágico em palavras)

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

A Encantar-me nina

Mesmo que desvendasse seus olhares
Mesmo se escrevesse em receita seus sabores
Mesmo se teu cheiro fragmentasse em meus pulmões
e tua voz tornasse partitura em meus ouvidos
ainda assim não explicaria o que sinto

Mesmo que me forjasse novo homem em barro puro
Mesmo se fossem meus sentidos norte e sul sem ti
Mesmo se me calasse a garganta um grito sem vogais
e buscasse fecundar novas palavras
ainda assim não conseguiria dizer o que sinto

Mesmo que apenas na memória se realize nossos encontros
Mesmo se essa querencia só se findar em sonhos
Mesmo se sonhar acordado ao teu lado
e acordar só em agonia
ainda assim dormiria novamente em teus braços

Mesmo que meu labor seja prosa pra tarde vazia
Mesmo se minhas letras forem desencontradas e sozinhas
Mesmo se for lira minha saltando das retinas
e em tua pele ungindo poesias
ainda assim não definira tua beleza de menina

Mesmo sem, com ou nem
Mesmo ali, lá ou cá
Mesmo sendo alma em fogo solar
e pele queimando em desejo de tocar
ainda assim não saberia ao fogo negar

Mesmo que apenas o "se" exista
Mesmo que tudo passe e amanheça um novo dia
Mesmo assim terei a certeza da entrega, da compartilha
e em meu peito viverá desejos, saudades e alegrias
sempre assim a encantar me nina.
(André Luiz Pereira)

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Análise

Tão abstrata é a idéia do teu ser
Que me vem de te olhar, que, ao entreter
Os meus olhos nos teus, perco-os de vista,
E nada fica em meu olhar, e dista
Teu corpo do meu ver tão longemente,
E a idéia do teu ser fica tão rente
Ao meu pensar olhar-te, e ao saber-me
Sabendo que tu és, que, só por ter-me
Consciente de ti, nem a mim sinto.
E assim, neste ignorar-me a ver-te, minto
A ilusão da sensação, e sonho,
Não te vendo, nem vendo, nem sabendo
Que te vejo, ou sequer que sou, risonho
Do interior crepúsculo tristonho
Em que sinto que sonho o que me sinto sendo.
(Fernando Pessoa)

sábado, 9 de janeiro de 2010

Estar só

A solidão tem ocupado
o coração
As lágrimas vem disfarçadas
sob sorrisos
Os olhos mentem a dor sentida
São tantas as desilusões,
tantos sonhos perdidos
Qual será o problema?
O que há de errado?
A dúvida permanece
e inquieta o peito já angustiado...
(Maria Helena)

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Morada

Na morada
onde moram os segredos dos sonhos
onde sonho em mergulhar desejos
Na morada
que traz no ventre a segurança
e no beijo a tranquilidade
Na morada
que me meu peito carrega
ferve o sangue e evapora saudades
Na morada que tive
me livrou do mundo
me apartou da realidade
foi casa, lar, felicidade...
Mas quando só
acordei na morada
e não havia mais chão
não havia mais teto
não havia mais morada...
(André luiz - Universo em Translação)

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Fome de amar...

Há em mim uma fome de amar
De doar-me por inteira...
Mas são tantos os desencontros
Que já nem sei ao certo
Se essa fome será saciada
São possibilidades que surgem
mas logo desaparecem
deixando em mim só as incertezas...
(Maria Helena)

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Simples palavras...

Há palavras
Que abraçam
Que encantam
Que machucam
Trazem esperança
desgraça...
Palavras que provocam
paralisam
amedrontam
revolucionam...
Há aquelas
cheias de graça
De amor
De dor
Simples palavras
que ao serem ditas
Conseguem tocar
o mais íntimo do ser...
(Maria Helena)