quarta-feira, 24 de julho de 2013

Bem no fundo

No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto

a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo

extinto por lei todo o remorso,
maldito seja que olhas pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais

mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos
saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.

(Paulo Leminski)
Leite, leitura,
letras, literatura,
tudo o que passa,
tudo o que dura
tudo o que duramente passa
tudo o que passageiramente dura
tudo, tudo, tudo
não passa de caricatura
de você, minha amargura
de ver que viver não tem cura

(Paulo Leminski)

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Hiato

És na minha vida como um luminoso
Poema que se lê comovidamente
Entre sorrisos e lágrimas de gozo...

A cada imagem, outra alma, outro ente
Parece entrar em nós e manso enlaçar
A velha alma arruinada e doente...

__Um poema luminoso com o mar,
aberto em sorrisos de espuma, onde as velas
Fogem como garças longínquas no ar...

(Manuel Bandeira)

terça-feira, 16 de julho de 2013

Poeminha da saudade

Hoje não posso ir
A casa do meu amor.
Vou mandar um dos meus poemas,
aquele com asas de condor,
Voando visitá-la.

Um que tenha a boca grande
Com o céu estrelado,
Que na certa vai beijá-la.
Ou então que tenha as mãos macias,
Aquela que tece carinhos,
Para que possa acariciá-la.

Quem sabe
Um poema do meu corpo,
Demorado e louco
Daqueles que sempre fogem
Ao controle da alma.

Um dos meus poemas
Talhados pelo vento.
Desses que penteiam seus cabelos
E rodopiam sentimentos.

Um poema de calças-curtas
Estes bem moleques
E traquinas
Que andam lépidos pela rua
Roubando beijos das meninas.

Um poeminha qualquer
Pequenininho, mas com sinceridade
Destes mimados,
Que dormem no colo
E choram quando sentem Saudade.
(Sergio Vaz)

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Soneto oco

Neste papel levanta-se um soneto,
de lembranças antigas sustentado,
pássaro de museu, bicho empalhado,
madeira apodrecida de coreto.

De tempo e tempo e tempo alimentado,
sendo em fraco metal, agora é preto.
E talvez seja apenas um soneto
de si mesmo nascido e organizado.

Mas ninguém o verá? Ninguém. Nem eu,
pois não sei como foi arquitetado
e nem me lembro quando apareceu.

Lembranças são lembranças, mesmo pobres,
olha pois este jogo de exilado
e vê se entre as lembranças te descobres.

(Carlos Pena Filho)