Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era querida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida...
E a minha triste boca dolorida,
Que dantes tinha o rir das primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!
E fico, pensativa, olhando o vago...
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim...
E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!
Florbela Espanca
sábado, 21 de fevereiro de 2009
Amor que morre
O nosso amor morreu... Quem o diria!
Quem o pensara mesmo ao ver-me tonta,
Ceguinha de te ver, sem ver a conta
Do tempo que passava, que fugia!
Bem estava a sentir que ele morria...
E outro clarão, ao longe, já desponta!
Um engano que morre... e logo aponta
A luz doutra miragem fugidia...
Eu bem sei, meu Amor, que pra viver
São precisos amores, pra morrer,
E são precisos sonhos para partir.
E bem sei, meu Amor, que era preciso
Fazer do amor que parte o claro riso
De outro amor impossível que há-de vir!
Florbela Espanca
Quem o pensara mesmo ao ver-me tonta,
Ceguinha de te ver, sem ver a conta
Do tempo que passava, que fugia!
Bem estava a sentir que ele morria...
E outro clarão, ao longe, já desponta!
Um engano que morre... e logo aponta
A luz doutra miragem fugidia...
Eu bem sei, meu Amor, que pra viver
São precisos amores, pra morrer,
E são precisos sonhos para partir.
E bem sei, meu Amor, que era preciso
Fazer do amor que parte o claro riso
De outro amor impossível que há-de vir!
Florbela Espanca
Navegando...
Desancorada a canoa segue o fluxo das águas
o rio é tenso, mar bravo de água doce
eu ao relento, inebriado
ouço os cânticos da correnteza
desacorrento meu espirito
a névoa se dissipa
o ar é leve e fresco
a embarcação dança o balanço fluvial,
estou em paz.
O rio continua me guiando
agora sua superfície é límpida
com a ponta dos dedos deixo o rastro
que forma pequenas ondas
dissolvido, um espelho se cria em meio as folhas
olho d'água me mostrando quem sou
árvores de ponta cabeça,
o céu está sob mim.
As folhas se despedem com frequência,
contra a nascente sigo
ainda não sei qual o destino,
toda margem é terra firme
não sei onde ancorar.
Um frio me toma o peito
já não vejo nada
tudo é tão abstrato e escuro
imperceptível é minha força diante minha angustia
não estou só.
Animais hostis vidram seus olhos e rugidos
desejando meu intelecto,
por um instante de lucidez em pleno desespero
meu coração me leva à um lugar onde pensamento algum me tirará do prumo.
A canoa continua a bailar
preciso sair dali
me afogando com o ar que pesa em meus pulmões
vejo minha salvação.
Diluído é meu esclarecimento mente à dentro...
Há remos na embarcação,
independente de pra onde o rio siga
de agora em diante, são eles que me darão a direção!
(André Luiz Pereira)
o rio é tenso, mar bravo de água doce
eu ao relento, inebriado
ouço os cânticos da correnteza
desacorrento meu espirito
a névoa se dissipa
o ar é leve e fresco
a embarcação dança o balanço fluvial,
estou em paz.
O rio continua me guiando
agora sua superfície é límpida
com a ponta dos dedos deixo o rastro
que forma pequenas ondas
dissolvido, um espelho se cria em meio as folhas
olho d'água me mostrando quem sou
árvores de ponta cabeça,
o céu está sob mim.
As folhas se despedem com frequência,
contra a nascente sigo
ainda não sei qual o destino,
toda margem é terra firme
não sei onde ancorar.
Um frio me toma o peito
já não vejo nada
tudo é tão abstrato e escuro
imperceptível é minha força diante minha angustia
não estou só.
Animais hostis vidram seus olhos e rugidos
desejando meu intelecto,
por um instante de lucidez em pleno desespero
meu coração me leva à um lugar onde pensamento algum me tirará do prumo.
A canoa continua a bailar
preciso sair dali
me afogando com o ar que pesa em meus pulmões
vejo minha salvação.
Diluído é meu esclarecimento mente à dentro...
Há remos na embarcação,
independente de pra onde o rio siga
de agora em diante, são eles que me darão a direção!
(André Luiz Pereira)
sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009
Os versos que te fiz
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que a minha boca tem pra te dizer!
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim pra te oferecer.
Têm dolência de veludos caros,
São como sedas pálidas a arder...
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer!
Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda...
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz!
Amo-te tanto! E nunca te beijei...
E nesse beijo, Amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!
Florbela Espanca
Que a minha boca tem pra te dizer!
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim pra te oferecer.
Têm dolência de veludos caros,
São como sedas pálidas a arder...
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer!
Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda...
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz!
Amo-te tanto! E nunca te beijei...
E nesse beijo, Amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!
Florbela Espanca
quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009
Para ti
Foi para ti
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo
Para ti criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que talhei
o sabor do sempre
Para ti dei voz
às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só
amando de uma só vida
(Mia Couto)
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo
Para ti criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que talhei
o sabor do sempre
Para ti dei voz
às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só
amando de uma só vida
(Mia Couto)
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