quarta-feira, 28 de março de 2012

Desesperança

Hoje eu vou de Manuel Bandeira, um dos maiores poetas que o Brasil já teve.


Esta manhã tem a tristeza de um crepúsculo.
Como dói um pesar em cada pensamento!
Ah, que penosa lassidão em cada músculo...

O silêncio é tão largo, é tão longo, é tão lento
Que dá medo... O ar, parado, incomoda, angustia...
Dir-se-ia que anda no ar um mau pressentimento.

Assim deverá ser a natureza um dia,
Quando a vida acabar e, astro apagado, a Terra
Rodar sobre si mesma estéril e vazia.

O demônio sutil das nevroses enterra
A sua agulha de aço em meu crânio doído.
Ouço a morte chamar-me e esse apelo me aterra...

Minha respiração se faz como um gemido.
Já não entendo a vida, e se mais a aprofundo,
Mais a descompreendo e não lhe acho sentido.

Por onde alongue o meu olhar de moribundo,
Tudo a meus olhos toma um doloroso aspecto:
E erro assim repelido e estrangeiro no mundo.

Vejo nele a feição fria de um desafeto.
Temo a monotonia e apreendo a mudança.
Sinto que a minha vida é sem fim, sem objeto...

- Ah, como dói viver quando falta a esperança!

(Manuel Bandeira: Desesperança. Teresópolis, 1912)

sexta-feira, 16 de março de 2012

Canção

Seria a vida uma canção?
dessas de lamento, que quando cantadas emocionam?
Ou desses Rocks libertários, tocados em 3 notas?
Ou ainda essas satíricas, que deixam nossos olhos sorrindo?

Acho que se a vida não for uma canção deveria,
deveria ter refrão, estribilho, introdução, começo meio e fim.
E digo mais, deveria ser executada com muita responsabilidade!
Como se cada apresentação fosse a última de nossa carreira.
Só assim entenderíamos o quanto ela é importante.

Deixemos os poetas suicidas no passado,
nosso desafio agora é fazer de nossas vidas
aquilo que eles cantaram...

Pois pode até ser que realmente não tenhamos nada mais a dizer,
mas de fato temos muito, muito mesmo à fazer...
(Daniel Fagundes - Vivenda Poética)

domingo, 11 de março de 2012

Quando olho para mim não me percebo

Quando olho para mim não me percebo
Tenho tanto a mania de sentir
Que me extravio às vezes ao sair
Das próprias sensações que eu recebo.

O ar que respiro, este licor que bebo,
Pertencem ao meu modo de existir,
E eu nunca sei como hei de concluir
As sensações que a meu pesar concebo.

Nem nunca, propriamente reparei,
Se na verdade sinto o que sinto. Eu
serei tal qual pareço em mim? Serei

Tal qual me julgo verdadeiramente?
Mesmo ante as sensações sou um pouco ateu,
Nem sei bem se sou quem em mim sente.

(Álvaro de campos)